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Novembro
mal começou e o bombardeio de informações sobre o câncer de próstata e a
importância do PSA (antígeno prostático específico) está a todo vapor. De
shoppings center a planos de saúde, todos estão mobilizados em torno da
campanha Novembro Azul.
Há uma
sucessão de equívocos nessa iniciativa. Primeiro porque parece que a saúde do
homem se resume a essa glândula localizada na parte baixa do abdômen. Perde-se
aí uma ótima oportunidade para discutir outras coisas que realmente terão
impacto na saúde masculina, como prática de atividade física, os maus hábitos
(uso de álcool e outras drogas, tabaco etc), os acidentes de trânsito e a
checagem dos níveis da pressão arterial e da glicemia.
O outro
equívoco é ainda mais sério. Cada vez mais as evidências científicas
contraindicam a realização do PSA de rotina, em qualquer idade. Mas parece que,
por desconhecimento ou interesses outros, as campanhas têm ignorado esse fato.
Por aqui, há poucas vozes discordantes, uma delas é da Sociedade Brasileira de
Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), que distribuiu nota à imprensa sobre
o assunto.
Para
começar, a SBMFC explica o conceito do rastreamento e porquê ele não se aplica
ao exame da próstata. Rastreamento significa uma ação feita para identificar
uma doença (ou fator de risco) antes que ela se manifeste ou piore, com o
objetivo de diminuir o adoecimento e a mortalidade. Ou seja, fazer as pessoas
viverem mais e melhor.
É o que
acontece, por exemplo, quando a pessoa faz uma sorologia de HIV ou uma coleta
de papanicolau. Mas não é o que ocorre com o câncer da próstata e com o foco da
campanha Novembro Azul.
A
campanha diz que "a única forma de garantir a cura do câncer de próstata é
o diagnóstico precoce", e recomenda que todos os homens com mais de 50
anos (ou 45, no caso de negros e parentes de primeiro grau de indivíduos que
tiveram a doença) procurem anualmente um urologista para fazer o exame de toque
retal e a dosagem de PSA no sangue.
A SBMFC
lembra que essa não é a recomendação de respeitadas instituições nacionais e
estrangeiras. Em 2012, o United States Preventive Services Task Force (USPSTF)
passou a contraindicar o rastreamento de câncer de próstata baseado em PSA para
homens americanos de qualquer idade.
Em 2013,
o Instituto Nacional de Câncer (INCA) passou a recomendar que não se
organizassem programas de rastreamento para o câncer da próstata, e que homens
que demandassem espontaneamente a realização de exames de rastreamento fossem
informados por seus médicos sobre os riscos e benefícios associados a essa
prática, "por existirem evidências científicas de boa qualidade de que o
rastreamento do câncer de próstata produz mais dano do que benefício".
Outras
entidades reconhecidas internacionalmente, como o Canadian Task Force on
Preventive Health Care, o American Academy of Family Physicians e o United
Kingdom National Screening Comittee, fazem recomendações semelhantes.
Os
estudos que levaram a essas recomendações acompanharam milhares de homens por
mais de dez anos, e mostraram que fazer PSA com ou sem toque retal não diminui
a mortalidade geral dos homens, e muda muito pouco a mortalidade específica por
câncer de próstata. Em outras palavras, lembra a SBMFC, homens que fazem o exame
não morrem mais velhos, e morrem muito pouco menos de câncer de próstata.
Esse
pequeno benefício não compensa os potenciais malefícios, quase sempre
relacionados à realização desnecessária de biópsia prostática (um procedimento
que pode provocar sangramentos, febre, infecção prostática e retenção
urinária), o impacto psicológico causado por um resultado falso positivo, e as
sequelas do tratamento (é muito comum que os homens tenham incontinência
urinária ou impotência sexual após a retirada da próstata).
Isso
acontece porque o exame não consegue diferenciar cânceres graves e mortais de
cânceres que cresceriam lentamente e não viriam a matar o homem, ou seja,
muitos acabam tendo os malefícios desnecessariamente, explica a nota.
"A
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade considera que os
homens, de fato, precisam dar e receber mais atenção à sua saúde, mas as
evidências científicas mais recentes deixam claro que isso não deve ser feito
através da dosagem do PSA ou realização de toque retal em pessoas que não
apresentam qualquer sintoma. Médicos e médicas devem, por uma questão ética,
fornecer todas as informações relevantes para que seus pacientes possam decidir
de forma esclarecida sobre questões relacionadas à própria saúde."
A
manifestação da SBMFC é uma ótima oportunidade para que as entidades melhorem o
nível de campanhas que visem a educação em saúde. Omitir esses dados na
campanha Novembro Azul é um desserviço aos homens, às suas famílias, e aos
sistemas de saúde, que desperdiçam recursos que poderiam estar sendo mais bem
usados em ações efetivas de prevenção e promoção à saúde.
Fonte:
CFF (Conselho Federal de Farmácia)
Autor:
Claudia Colluci – Folha de São Paulo - Site
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